Um vôo chega ao seu destino cerca de três horas após a partida e após algumas turbulências. Mas, ao desembarcarem, os passageiros descobrem que foram dados como mortos durante cinco anos. Essa é a história da mini série Manifesto: O Mistério do Voo 828 (Manifest), criada por Jeff Rake.
Logicamente essa história não é real, mas para os DJs pode existir alguma comparação com 2020, o ano que as pistas de dança desapareceram do mapa. No dia 13 de março, a primeira sexta-feira 13 do ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) descretou Pandemia decorrente do Covid 19. Nesta data, o Brasil confirmou 22 novos casos, elevando para 171 o número de casos no país. Na Itália, os casos subiram para 17.660 e os números já apontavam 1.266 mortes. Os Estados Unidos registraram 559 novos casos, totalizando 2.204 casos com 49 mortes. O Reino Unido registrou 202 novos casos, totalizando 798 casos. A Escócia registrou a primeira morte, elevando o total de óbitos no Reino Unido para 11. Vários países adotaram o Lockdown e quase tudo foi fechado: praças, parques, praia, bares, restaurates, cinemas, boates, academias de ginática, salões de beleza, escolas, estádios, museus… Como profetizava Raul Seixas na letra da música “O dia que a terra parou”.
Nas conversas informais, 2020 prometia ser o melhor dos últimos anos para os profissionais do mercado de eventos. Porém, do dia pra noite todas as festas foram proibidas e os clientes começaram a buscar novas datas para remarcar suas festas. Algumas foram canceladas. Foi um ano sem o tradicional verão de Ibiza, será uma virada de ano sem grandes comemorações e teremos um novo ano sem Carnaval.
No último trimestre do ano os gráficos mostravam uma desaceleração forte do Covi-19 e aqui no Rio de Janeiro a Prefeitura cumpriu seu plano de flexibilização liberando a realização de festas em locais com 50% da capacidade. Depois, no dia 03/11 anunciou a última etapa do plano, liberando praia, self-service e pista de dança. As festas explodiram pela cidade e aos poucos os eventos sociais começam a voltar. Alguns casamentos já estão acontecendo, muitos em formatos reduzidos e eu aproveitei o momento da retomada para bater um papo com vários DJs do mercado. A pergunta foi a mesma para todos: “Depois de muitos meses sem pista de dança para testar as músicas novas, como está o seu repertório de novidades nessa retomada?”. Vamos conferir as respostas?
Para o DJ TAW, da Rastropop, tudo começa com uma boa reunião para extrair o máximo de informação dos clientes. “Nessa reunião eu tento tirar deles as músicas específicas e mais atuais que eles querem que eu toque. Dessa forma eu consigo ter um feeling pra hora da festa”. Depois ele complementou: “Entendo que estamos falando com uma ou duas pessoas e não com as 60 ou 100 que estarão na festa, mas é assim que eu dou o meu start”. Taw também tem organizado sub-pastas, dentro das suas pastas de músicas, com novas músicas a serem testadas na pista de dança das festas.

Já o DJ RAFAEL PACHECO respondeu: “Creio que esse seja o maior desafio dos DJs nesse retorno”. Assim como Taw, ele considera o feeling do DJ cada vez mais importante. “Fiz um mini wedding de uma noiva americana e a maioria dos convidados eram latinos. O Reggaeton foi o ritmo que mais bombou, principalmente as músicas antigas!”. Ele disse ter feito outro mini wedding em Búzios e deu pra perceber que as pessoas não conheciam as músicas mais novas: “Head and Heart” do Joel Corry que é um grande hit no mundo não funcionou mas o sertanejo bombou com as músicas mais antigas”.

Falei também com o DJ LEANDRO MENDES, residente da casa de festas No Meio do Mato. Ele tem feito diversas festas no local e tem uma opinião bem interessante sobre o sertanejo: “Por conta das Lives o sertanejo conseguiu atualizar o público com as novidades”. Ele também comentou sobre o funk, que sempre explode a pista de dança nas festas de casamento. “Os funks atuais ainda não estão bombando, com exceção de “Oh Juliana” do MC Niack”.

“Já andei pensando sobre isso também e acho que ninguém tem a resposta ainda. A resposta virá na prática. Excelente pauta!”. Foi assim que o DJ DENTINHO da Playbak Eventos reagiu à pergunta. “Vou ter que jogar umas novidades no meio do set para ir testando. Algumas músicas estavam muito batidas nos casamentos e vai ser uma boa hora pra fazer umas substituições”. Mas ele falou uma coisa muito importante: “A volta vai ser tão contagiante que as festas vão bombar muito! As pessoas estão precisando de uma festa, de uma pista de dança! A vontade de dança é muito grande! Vai ser um mix de hits de 2018, 2019 e 2020, com muita Dua Lipa, as mais aceleradas do The Weeknd e David Guetta e vamos com tudo fazendo a transição!”. Para fechar, ele lembrou do app do momento: “Vou jogar no set esses funks novos do Tik Tok que mesmo sem pista ficaram na modinha e acho que pega fácil!”.

Também conversei com o DJ ROBERTO REGO, de Curitiba, que é sempre muito atualizado quando o assunto é repertório. “Eu me fiz essa pergunta na semana passada, limpando algumas pastas. Minha próxima festa será em fevereiro de 2021 e eu vou precisar contar muito com o apoio do casal, dos familiares e dos padrinhos, pra saber aonde eles pararam. A nossa referência é março de 2020, quando começou a Pandemia. Vai ser praticamente um ano na frente”. Ele passou um período no Rio de Janeiro e fez uma revelação: “Outro dia ouvi um programa de funk no rádio e não conhecia nenhuma música. Achei a grande maioria sem qualidade, baixo nível e me perguntei se é isso que a gente vai ter que tocar nas festas?”. Aí eu perguntei sobre o sertanejo, que é um estilo muito tocado nas festas de casamento em Curitiba e ele respondeu: “A maioria das músicas são para dançar junto e sem pista fica difícil fazer elas acontecerem. Ainda vamos ter que esperar passar muita água debaixo dessa ponte”.

Na minha opinião, o Spotify acabou virando o “refúgio” das pessoas para ouvir música. Várias pessoas que nunca tinham usado o app passaram a usar e isso acabou refletindo um perfil mais saudosista nas playlists, enquanto o Tik Tok virou a grande plataforma de lançamento das novidades musicais. O app realmente fez a diferença durante essa Pandemia mas nada substitui a magia de uma pista de dança. Um som alto, com grave batendo no peito e uma luz colorindo esse momento proporciona uma sensação única. E é exatamente essa sensação coletiva que faz uma música estourar. Quantas músicas eu ouvi no meu carro e não levei fé que fossem virar sucesso nas pistas? Mas quando toquei na pista, tudo mudou. A reação do público é surpreendente, inexplicável, é algo mágico! Muitas músicas com grande potencial de virar hit foram desperdiçadas nos últimos meses pelo simples fato de não serem testadas nas pistas. É uma pena, mas isso é algo que nunca aconteceu e ninguém poderia imaginar que fosse tomar essa proporção.
Deixei para o final, o ótimo depoimento do DJ MARCELO CUPIM que achei muito interessante: “O tempo parou apenas nas pistas, porque a música em geral continuou sendo lançada e surgiram muitos sucessos através das plataformas como YouTube, Spotify e, claro, o Tik Tok. O DJ que estava no voo 828 vai ter que correr atrás, porque foi o o ano dos Barões da Pisadinha, das Lives aonde o sertanejo ganhou força novamente e o ano em que o funk acelerou mais um pouco e passou dos 150 para os 170 BPMs. A Dance Music ganhou força e a Dua Lipa emplacou quatro músicas, ano de sucesso para rappers como Cardi B, Drake e Jason DeRulo. As pistas pararam, mas a música não!”.

Agora vamos torcer para que todas essas vacinas que estão sendo testadas sejam aprovadas o mais rápido possível no Brasil e daqui a poucos meses a gente esteja se aglomerando nas pistas de dança, sem medo de ser feliz!