Outro dia eu estava no carro e, do nada, minha esposa começou a cantar “Não tinha medo o tal João de Santo Cristo, era o que todos diziam quando ele se perdeu”. Ela sabia a letra toda! Se você não reconheceu, a música “Faroeste Caboclo” foi lançada pelo grupo Legião Urbana em 1987 e tem 9 min de duração. Poucas músicas são mais longas. Eu lembro de “Rapper’s delight” do Sugarhill Gang, lançada em 1980, um rap com quase 15 minutos, que era chamada de “melô do tagarela”. Será que essas duas músicas fariam sucesso se fossem lançadas atualmente?
Eu sempre digo que a música é o grande reflexo do que acontece no mundo. Isso aconteceu com a explosão da música Disco na década de 70, com o New Wave e o Rock Brasil na década de 80, com o grunge na década de 90, etc. Como está o mundo atualmente? Você deve concordar que está chato, tenso, as pessoas não conversam muito, não tem paciência para nada, é tudo “para ontem” porque ninguém tem tempo para nada. A pandemia ajudou a isolar ainda mais as pessoas e tudo isso criou novos hábitos. A nova geração não larga o celular, só fala por “zap” usando uma maneira de escrever própria e é bombardeada por informações rápidas. Stories de 15 segundos, vídeos curtos no TikTok, o Twiter não aceita muito texto. E a música, qual foi a transformação que aconteceu?
A música desacelerou, ficou mais leve, suave e mais curta. Para bombar nas plataformas de streaming, a música precisa ter no máximo 2 minutos e meio. E isso também vale para as músicas de pista, as músicas que os DJs tocam. As pessoas estão ansiosas e ninguém tem mais paciência e tempo disponível para ouvir os 9 minutos de “Faroeste caboclo” ou os quase 15 minutos de “Rapper’s delight” no Spotify, Deezer, Apple Music e Amazon Music. Quando a música é longa, as pessoas buscam outra música e isso gera o “skip”. Isso gerou um encurtamento drástico das músicas. Agora, quem manda no seu hábito de consumo são os algoritmos, que privilegiam as músicas ouvidas até o final, ou com menos skip. Segundo relato do cluster de música eletrônica da One RPM – uma das maiores plataformas de distribuição de música para as plataformas e canais digitais, uma boa taxa de skip não pode superar 15%. Com isso, artistas, gravadoras e produtores passaram a se adaptar à nova realidade.
Para fazer parte dos lançamentos da One RPM, a música precisa ter no mínimo 61 segundos. Com até 60 segundos arquivo é considerado uma vinheta. Mas, o recorde aconteceu recentemente com o lançamento da música “Poland”, do rapper Lil Yatchy, com 80 segundos de duração. De acordo com o texto publicado pelo empresário da música Marcelo Braga, nos últimos anos as músicas da parada Bilboard Hot 100 vem perdendo cada vez mais minutos e em 2021 a duração média das principais músicas do ano ficou abaixo de 3:07 minutos. Músicas mais curtas tem maior probabilidade de tocar repetidas vezes. Quanto mais plays, maior a receita. Hoje, plataformas como o Spotify consideram 30 segundos de escuta como sendo uma reprodução completa. O mesmo vale para o TikTok. Precisa ouvir mais para curtir uma música?
Como isso vai impactar na sua festa de casamento? Simples! Muitos DJs passaram a editar suas músicas no estilo “TikTok” deixando todas curtinhas para tocar a maior quantidade de músicas possível na festa. Há pouco tempo o DJ tocava cerca de 16 músicas por hora. Hoje, o número praticamente dobrou. Cada um com o seu estilo.
Mas a gente precisa voltar um pouco no tempo para entender melhor essa história. Nos anos 70, a música Disco virou uma febre mundial e muitas músicas eram lançadas nas discotecas, com um som maravilhoso, luzes piscando, fumaça e muita gente feliz dançando nas pistas. Para fazer a música tocar mais tempo, surgiu o Disco Mix, uma versão estendida da música lançada em vinil, no formato 12 polegadas. Depois surgiram os remixes, que também eram lançados nesse formato. Os DJs abraçaram a idéia que virou uma cultura musical e os discos de vinil com os remixes passaram a ser comercializados. Chegou o formato digita com CD, depois surgiram os arquivos de áudio mp3 e os DJs passaram produzir seus próprios remixes, sempre com versões extended para tocar nas pistas. Veio a pandemia, o TikTok explodiu e o Spotify virou referência. Tudo mudou. Agora voltamos para os anos 60, quando os grandes sucessos eram músicas curtinhas. Os Beatles que o digam. Mas isso também teve uma explicação, o rádio lançava e fazia os sucessos.
Agora é som na caixa e boa festa!
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